Ex-policial militar de Rio é acusado de tentativa de homicídio após disparar contra estudante e mototaxista
Na madrugada de 24 de fevereiro de 2025, duas vidas foram quase interrompidas por um desentendimento que acabou em tiro. O ex‑ex-policial militar Carlos Alberto de Jesus, já aposentado da Polícia Militar do Rio, perseguiu um mototáxi que transportava o estudante de jornalismo Igor Melo de Carvalho e o motorista Thiago Marques Gonçalves. O que começou como uma suposta perseguição a ladrões rapidamente se transformou em um crime de tentativa de homicídio qualificado, com acusações formais já apresentadas pela Justiça.
Como tudo começou: o relato da esposa e a perseguição
Segundo o primeiro depoimento da esposa de Carlos Alberto, Josilene da Silva Souza, ela teria sido abordada por dois homens que furtaram seu celular nas proximidades da Rua da Penha. Ela apontou o mototáxi como o veículo dos supostos assaltantes, alimentando a percepção de que o ex‑policial precisava agir. Josilene, entretanto, foi posteriormente acusada de prestar falso testemunho, pois investigações posteriores mostraram que o estudante e o mototaxista não estavam envolvidos em nenhum roubo.
As câmeras de segurança instaladas ao longo da via capturaram a sequência completa: o mototáxi subindo a ponte de Penha por volta das 1h30, seguido de perto por um carro preto conduzido por Carlos Alberto. Em um momento de tensão, o carro se aproximou, e o ex‑policial sacou a arma, disparando rajadas que atingiram Igor nas costas. Thiago, que conduzia a moto, tentou manobrar para fugir, mas também acabou sendo alvejados.
O desfecho imediato: ferimentos graves e prisão equivocada
Igor Melo recebeu um ferimento crítico que perfurou múltiplos órgãos – rins, baço, intestinos e estômago. Ele foi socorrido e encaminhado ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, onde passou cerca de um mês em estado grave. A perda de um rim foi confirmada pelos médicos, que também relataram danos irreparáveis ao sistema digestório.
Thiago Marques escapou com ferimentos menos graves, mas ainda assim precisou de atendimento de urgência. Curiosamente, ambos foram inicialmente detidos sob a acusação de roubo, uma ação impulsionada pela confusão do momento e pela narrativa inicial da esposa de Carlos Alberto. Apenas 24 horas depois, durante a audiência de custódia, o juiz reconheceu a falta de evidências e liberou os dois, desfazendo a prisão injusta.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro então reabriu as investigações, focando nas declarações de Josilene e nos disparos efetuados por Carlos Alberto. O Ministério Público solicitou a prisão preventiva do ex‑policial, argumentando risco de interferência nas investigações e potencial perigo à sociedade.

Reações e envolvimento institucional
O caso rapidamente ganhou atenção de organizações de direitos humanos. Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial, afirmou que o governo federal exigirá esclarecimentos ao estado do Rio e ao Poder Judiciário, ressaltando que “não podemos permitir que jovens negros sejam alvos de violência e injustiça”.
No âmbito municipal, o vereador Leonel de Esquerda (PT), que conhecia Igor por laços com o Botafogo Futebol Clube, acompanhou de perto o caso e exigiu transparência nas apurações. Ele destacou que nem Igor nem Thiago tinham antecedentes criminais, reforçando o caráter arbitrário da acusação inicial.
A plataforma de mototáxi 99, que conecta passageiros a motoristas parceiros, divulgou comunicado oficial pedindo desculpas às vítimas e às famílias, além de se colocar à disposição das autoridades para colaborar com as investigações. A empresa também acionou seu plano de apoio psicológico para os envolvidos.
Implicações jurídicas e perspectiva futura
Com a denúncia de tentativa de homicídio qualificado, Carlos Alberto de Jesus enfrenta uma pena que pode chegar a 30 anos de reclusão, caso seja condenado. A inclusão da acusação de ‘qualificado’ se deve ao uso de arma de fogo e à tentativa de eliminar duas pessoas em situação de vulnerabilidade, configurando grave violação de direitos civis.
Além disso, a responsabilidade criminal de Josilene da Silva Souza por falso testemunho abre um precedente importante sobre a responsabilidade de civis em alimentar denuncias sem fundamento, sobretudo quando essas denuncias desencadeiam violência letal.
A comunidade jurídica acompanha o caso como um teste de como o sistema de justiça do Rio lida com abusos de autoridade, ainda que o agente já esteja aposentado. O desfecho poderá influenciar políticas de monitoramento de ex‑militares que mantêm armas de fogo em casa e reforçar protocolos de verificação de denúncias de roubo antes de autorizar intervenções armadas.
Enquanto o processo segue seu curso, Igor Melo continua sua recuperação, recebendo acompanhamento médico e apoio de colegas universitários. Thiago Marques também segue em tratamento, mas já retornou ao trabalho como mototaxista, apesar das sequelas físicas e psicológicas da experiência.
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